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11 de outubro de 2016

Entenda a proposta que limita os gastos do Governo e por que ela não tira o país da recessão, mas pode ajudar.

A Câmara dos Deputados aprovou nesta segunda-feira (10) o texto base da proposta de emenda à Constituição que congela os gastos federais pelos próximos 20 anos, prioridade do governo Michel Temer para 2016. A proposta restringe as despesas do governo à inflação dos 12 meses anteriores, e tem duração de duas décadas, com possibilidade de mudança na forma de limitar os gastos a partir do décimo ano.
Em dez pontos, entenda o que é a medida, porque ela foi criada e como ela ajuda o Brasil, mas não tira o país da recessão.

1 - O que é PEC e por que é Teto?
É um mecanismo proposto pelo governo para limitar o crescimento dos gastos públicos a longo prazo, fixando como teto a inflação passada.
Como algumas despesas têm regras ditadas pela Constituição, como saúde e educação, para alterá-las é preciso fazer uma proposta de emenda constitucional (PEC), cuja votação tem um rito especial. Depende de dois turnos na Câmara dos Deputados e dois no Senado e só passa com aprovação de ampla maioria três quintos dos deputados (308 votos) e dos senadores (49 votos).
Tratada como prioridade número 1 do governo, a proposta tem boas chances de ser aprovada neste ano.

2 - Gastando chegamos até aqui.
Os gastos do governo crescem mais do que o PIB há duas décadas e, repetidas vezes, o buraco foi tapado com aumento de impostos ou criação de tributos como a extinta CPMF ou a Cide (que incide sobre a gasolina). Outra forma foi aumentar a dívida pública, que chegou a 70% do PIB neste ano bem acima da média dos países com o mesmo estágio de desenvolvimento do Brasil (45% do PIB).
A recessão, iniciada em 2014, piorou tudo: fez cair às receitas públicas e gerou desconfiança com o futuro do Brasil, o que se traduziu em aumento das taxas de juros cobrada pelos investidores para financiar o governo. Com isso, a dívida assumiu uma trajetória insustentável no longo prazo.

3- O prazo de validade do teto é longo.
O teto do gasto proposto pelo governo durará pelo menos nove anos, se for aprovado pelo Congresso. Depois disso, ou seja, em 2025, o presidente da República poderia propor uma nova regra para contenção dos gastos, válida para o seu mandato. E assim seria até 2036. Segundo economistas do governo, o prazo dilatado é importante para sintonizar o ritmo das despesas com o das receitas sem recorrer a mais impostos ou a um corte drástico de gastos. Economistas como Felipe Salto, assessor do senador José Aníbal (PSDB), argumentam, porém que é tempo demais para uma medida tão dura, que na prática congela os gastos do governo.
Alternativas chegaram a ser ventiladas, como atrelar o teto à evolução da dívida pública ou reduzir o prazo de vigência, mas até agora prevaleceu o argumento do governo.

4 - A PEC não resolve o problema.
Para funcionar, o teto dos gastos públicos depende de mudanças na Previdência que limitem o aumento dos gastos com benefícios e pensões. Por isso, a reforma previdenciária é a segunda prioridade do governo.
Os gastos da Previdência representam cerca de 45% das despesas públicas e crescem atualmente 4% acima da inflação por ano, segundo o economista Bernard Appy, do Centro de Estudos e Políticas Públicas. Para analistas do Itaú Unibanco, sem a reforma da Previdência o teto só contribuiria para o equilíbrio das contas públicas até 2019.

5 - O resultado do teto só aparece no longo prazo.
Com o teto, os gastos do governo devem cair como proporção do PIB, mas isso só vai acontecer quando o país (e as receitas do governo) voltarem a crescer a um ritmo superior à inflação, o que deve levar algum tempo.
Hoje o país enfrenta uma recessão que deve chegar a 3,1% neste ano e inflação de 7,2%. Assim, no curto prazo, afirma o economista Felipe Salto, o efeito do teto será nulo e até permitirá mais gastos. E, ao fim de 20 anos, produziria um superávit primário brutal (equivalente a 6,5% do PIB), muito superior ao necessário para reduzir a dívida pública.
Analistas que defendem o teto, como Mauricio Oreng, do holandês Rabobank, dizem que, mesmo com o teto, o governo só conseguirá fazer com que a dívida pare de subir por volta de 2022, quando ela terá atingido um nível elevado (86% do PIB). Ou seja, o endividamento público subirá por mais seis anos antes de estabilizar e depois cair.

6- Tudo muda na saúde e na educação.
Depois da Previdência, saúde e educação são as duas áreas de maior despesa do governo. Por isso, foram incluídas nos gastos sujeitos ao teto. Isso altera as atuais regras, que destinam às duas áreas uma fatia fixa das receitas públicas.

7- Mas por que a polêmica na saúde e educação?
Especialistas em educação e saúde temem que as duas áreas percam a disputa de recursos para grupos com lobby mais bem organizado no Congresso. E reclamam que, com as regras em vigor, receberiam mais no longo prazo.
O governo argumenta que, com a recessão, as receitas caíram sem que houvesse redução dos gastos. Ou seja, a regra atual não protege as duas áreas no momento mais difícil e quando mais gente recorre aos serviços públicos.
Além disso, o teto estabelece que saúde e educação devam receber, no mínimo, o mesmo que gastaram no ano anterior mais a inflação. Se durante a elaboração do Orçamento os deputados quiserem destinar mais dinheiro para essas duas áreas, será permitido, desde que cortem outras despesas. O teto global para a expansão do gasto público não poderia ser desrespeitado.

8- A PEC do Teto não tira o Brasil da recessão. Mas ajuda.
Conter gastos não estimula a economia, mas indica que as contas do governo são sustentáveis. No curto prazo, isso se traduz em mais confiança para os empresários -que podem voltar a investir e produzir- e de consumidores. A confiança começou a voltar lentamente. Com sinais de que o governo vai ajustar suas contas, a taxa de juros também deverá cair, o que ajuda a reativar a economia. O Itaú Unibanco prevê que, neste cenário, o país poderá crescer 4% em 2018.
No longo prazo, porém, o Brasil deveria discutir outras reformas para melhorar a eficiência da economia, observa o economista Bernard Appy, com mudanças no sistema tributário e nas leis trabalhistas.

9- Se não fizer é o precipício. Mas o que é o precipício?
A primeira alternativa ao teto seria aumentar impostos. O governo prevê um déficit de R$ 170,5 bilhões neste ano, equivalente a cinco vezes o que o governo previa arrecadar com a CPMF em um ano. Ainda que coloque as despesas do passado em dia, os gastos continuarão subindo e exigirão mais impostos a cada ano.
Segundo analistas do Itaú Unibanco, sem o teto, o governo teria que aumentar a carga tributária em 4 pontos percentuais do PIB, o que levaria os brasileiros a entregar ao governo quase R$ 4 a cada R$ 10 que produzirem o que é muito para um país em desenvolvimento.
A segunda opção seria reduzir os gastos públicos artificialmente. O governo imprimiria reais para pagar suas contas e deixaria a inflação subir para corroer as despesas. A saída foi muito aplicada no passado e levou o país à hiperinflação no início dos anos 1990.
A terceira possibilidade seria deixar a dívida subir e não pagar, o que seria um calote. E mais de 80% dos credores são poupadores brasileiros, que aplicam em fundos de investimento e no Tesouro Direto, por exemplo, ou são ainda fundos de pensão e de previdência privada.

10- O que acontece se o teto for aprovado?
A expectativa de economistas como Eduardo Loyo, do banco BTG Pactual, é que o reordenamento das contas do governo permitirá uma queda permanente da taxa de juros do Brasil, uma das mais elevadas do mundo, o que facilitaria o acesso de empresários e consumidores a crédito. Para outros economistas, seria a chance de o governo gerenciar melhor o dinheiro público e escolher políticas que deem melhor resultado caso queiram permanecer no poder.

Autora Jornalista Mariana Carneiro
Publicado na Folha de SP em 11/10/16.

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